CARRETO, Carlos - O mercador de palavras ou a rescrita do mundo: literatura e pensamento económico na Idade Média. [Lisboa]: Chiado, 2012. 594 p. ISBN 978-989-697-649-1
“Os medievalistas portugueses raramente se aventuram, como se sabe, a explorar campos alheios. […] Não admira, pois, que sejam raros os investigadores portugueses da literatura medieval francesa.
Este panorama justifica, portanto, que comecemos por acentuar o carácter excepcional da obra aqui apresentada, na medida em que rompe com uma tendência profunda da investigação medievalística portuguesa. Com efeito, trata-se de um livro extenso que, com toda a naturalidade, sem complexos nem explicações, ousa situar-se nesse espaço raramente cultivado pelos nossos compatriotas. Efectivamente o seu Autor estuda uma vasta constelação de temas da literatura ficcional e poética escrita na França medieval, sobretudo nos séculos XII e XIII.
Na reconstituição do sentido e na contextualização do meio social em que essa figura [do mercador] aparece e ganha identidade, têm lugar os mais variados apoios da interpretação proposta: a história de conceitos formulados já desde a patrística, mas reformulados por teólogos, moralistas, comentadores, pregadores e mestres espirituais dos séculos XII e XIII; a transformação das condições sociais e económicas da sociedade do centro europeu […]; a construção das teorias sobre as relações entre poder espiritual e o poder temporal e sobre a função monárquica; as variadíssimas interpretações e adaptações da ideologia das «três ordens»; o papel e a simbólica do dom, da troca, do dinheiro, da compra; a doutrina sobre os vícios e as virtudes; as representações do poder, da avareza e da generosidade; a simbólica da cidade e da floresta, do castelo, da torre e da catedral; enfim, uma multidão de temas, conceitos, discursos, pressupostos e representações que, no seu conjunto, não deixam praticamente nenhum aspecto da vida medieval por examinar, tal como ela é representada em toda a espécie de textos da época.(José Mattoso)”